quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

OS SOBREVIVENTES

OS SOBREVIVENTES

   Roberto ergue mais o som vindo do rádio, tentando abafar o eco de seus pensamentos com o rock pesado. Em um bar localizado em uma rua qualquer, Joel já havia perdido a conta de quantas garrafas de álcool havia ingerido. Longe dali, Flávia está escondida em uma sala de remédios e vacinas do hospital, tentando ignorar os gritos de seus pais no corredor que ficava cada vez mais distante.
   Câncer. Esta mesma palavra ecoava nos pensamentos daqueles três estranhos. Pessoas totalmente diferentes, vidas completamente paralelas, mas afetadas por um mesmo mal que a cada dia alcança mais pessoas.
     Em que mundo estamos? Será que existe uma resposta para essa pergunta? Tudo que eles sabiam é que o mundo é muito mais injusto do que justo.
     Roberto escuta a voz de sua mulher através da porta. Ela o chamava desesperadamente, mas ele não podia responder. Não conseguia responder. Cada batida do relógio era agonizante. Quanto tempo até ele não poder aguentar isso? Quanto tempo até ele ficar louco? Não muito. As noticias sempre chegavam ao mesmo tempo. Roberto queria poder parar no tempo.
      As bebidas não ajudavam mais Joel. Até alguns meses atrás, o álcool tirava sua dor. Mas agora isso era insuportável. Talvez aquilo queria dizer que ele estava mais perto da morte. E ele deixaria o mundo com seu maior medo: deixar o mundo sem fazer nenhum bem. Joel toma mais um gole de sua bebida.
      Flávia se levanta do chão devagar. Mal havia completado dezoito anos e agora tinha descoberto um caroço no seio. Este poderia ser seu fim, mas só descobriria daqui um mês. Ela não tinha medo da resposta. Ela tinha muito mais medo do dano que causaria àqueles que a amam. Muitas vezes a morte pode trazer paz. Mas a maioria só deixava pesar.
     Roberto tinha descoberto a doença há seis meses. Hoje o médico lhe falara que ele não tinha nem dois meses de vida. Hoje a mulher lhe contara que estava grávida.
    Joel sentia os sintomas da doença há mais de oito meses, mas se recusara a ir ao médico. O homem cedeu há três meses, quando a dor chegou a ser insuportável demais. O médico disse que naquele ponto, já era tarde demais. Se ele tivesse um mês de vida, seria muito. A vida é uma droga.
      Flávia abriu a porta e saiu no corredor. Andando lentamente, imaginou onde seus pais estariam. E então lembrou-se como eles reagiram quando contou sobre o caroço. Ela não podia morrer. Não podia deixar seus pais. Eles precisavam dela.
     Roberto abriu a porta e olhou para a mulher. Joel saiu do bar e olhou a rua movimentada. Flávia correu corredor abaixo e olhou seu reflexo no chão. 
      Joel morreu naquela noite. Minutos depois de sair do bar, atirou-se na frente de um carro para salvar um garotinho. Antes de fechar os olhos, pensou que não tinha mais medo.
      Três semanas depois, Roberto se foi. Sua mulher ficou horas agachada em frente ao tumulo do marido, a mão apoiada na barriga, sentindo seu bebê chutar pela primeira vez.
     Um mês depois, Flávia acordou em um quarto de hospital pastel. Demorou mais duas semanas para descobrir que não tinha câncer. Nesse dia, envolveu seus pais nos braços enquanto eles choravam.
      No final, nunca se sabe o que esperar da vida. Joel tinha um medo e se livrou dele no instante de sua morte. Roberto deixou um pouco de si na barriga de sua mulher. Flávia, pela primeira vez, não fugiu das lágrimas dos outros. 
      E onde isso nos leva? A vida, é o que respondo. Flávia tem 20 anos agora; o garoto que Joel salvou hoje quer ser médico, quer tentar salvar vidas para agradecer o homem que o salvou. O filho de Roberto tem dois anos e seus olhos. Ele também ama rock.
     No fim, os três são sobreviventes em suas próprias maneiras. A vida continua com todos eles, mesmo de forma imperceptível.
      E eu pergunto a você: a vida é mais injusta do que justa? Eu lhe pergunto: EM QUE MUNDO ESTAMOS?

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