quinta-feira, 4 de outubro de 2012

JÁ É TARDE

Minha professora de redação está sempre passando novas propostas para escrevermos textos. Muitas das propostas são de vestibular, principalmente da Unicamp. A partir de hoje, vou postar as redações que escrevi que achei que ficaram boas. Aqui vai a primeira delas.

Já é tarde
  Era treze de janeiro de 1996. Era feriado, todas lojas estavam fechadas e o frio fazia a maioria das pessoas ficarem dentro de casa. Se eu não tivesse que ir à farmácia, com certeza não teria saído de casa. Esperei o ônibus chegar no ponto pacientemente enquanto me abraça para tentar me proteger do frio.
   Assim que ele parou, alguns minutos depois, entrei rapidamente, tentando deixar o frio do lado de fora. Sentei-me no primeiro assento vazio que avistei e fui pega de surpresa ao ver um livro jogado no banco. O peguei com os dedos congelados e olhei para a capa. Era um livro de poesia de Ezra Pound. Com curiosidade, o abri e começei a folheá-lo, parando quando encontro um poema marcado.

Despedindo-se de um amigo

Montes azuis ao norte das muralhas,
Rio branco serpenteando em torno deles,
É aqui que devemos separar-nos
E prosseguir por milhares e milhares de léguas 
De capim morto.

A mente é ampla nuvem flutuante,
O crepúsculo é a despedida de velhas amizades
Curvadas sobre mãos dadas na distância 
Nossos cavalos rincham, um ao outro,
enquanto nos separamos.

    Olhei para o poema, ponderando as belas, mas tristes palavras. Sempre era difícil se despedir de um amigo. Comecei a virar as páginas, procurando algum outro poema que me chamasse atenção ou me revelasse mais sobre o dono do livro. Estava virando uma página quando um pequeno bilhete cai sobre o meu colo.

São Paulo, 13 de janeiro de 1996
Meu amigo
Também estou preocupado há tempo com suas reações. É bem verdade que seus problemas são muitos, e graves, mas sua morte certamente não é a melhor solução.
Entendo que você esteja cansado mais ainda há vínculos que o prendem à vida: pense nas mulheres que o amaram e naquela que ainda o ama. Penso nos amigos e na falta que você fará a eles - e principalmente a mim.
Pelo amor de Deus, não se precipite. Venha conversar comigo hoje, às quatro horas, em minha casa.
                 Fausto.
    Segurei o bilhete firmemente em minha mão por um segundo e olhei para o poema marcado mais uma vez, apesar de já o ter decorado de tantas vezes que o lera. Suspiro profundamente, pensando no que fazer.
      Devolvi o bilhete na página e folheio o livro. Ele já era velho, todo surrado, com páginas amarelas e marcas de leitura. Não encontro nada no livro até chegar a última página. Na contracapa, havia uma dedicatória.
     "Eu sei o quanto você odeia poesias, mas você me ama, portanto, não irá atirar esse livro pela janela. Há um poema neste livro que eu quero que você descubra. Vou te dar uma dica: era o poema que eu falava para Fausto no porto no dia em que nos conhecemos.
                Se você  não jogou o livro até agora, é um bom sinal.
                                                                                                        Lindsey Peterson"
Fiquei encarando o nome. eu o conhecia de algum lugar. Pedi para o motorista parar e desci na rua úmida. Tremi com o frio e me abracei mais forte. Daqui até o escritório onde estava estagiando eram duas quadras. Apressei meu passo e abaixei a cabeça devido o vento gelado.
      Devido ao feriado, o escritório estava vazio e escuro. acendi a luz e liguei a máquina grande que se chamava computador. Enquanto ligava, fui pegar um chá. Quando voltei, me sentei em frente à máquina ligada e e fui para os arquivos, procurando nomes começados com L. Dez minutos depois, encontrei Lindsey McCary, nome de casada e Lindsey Peterson, nome de solteira. ao lado de seu nome, estava a data de um ano e alguns meses atrás, informando um acidente.
       Levantei-me e fui para a sala de arquivos. abri a gaveta de acidentes e procurei a data do ocorrido. Encontrei uma pasta e a peguei. fui para minha pequena sala e liguei o abajur, pegando meus óculos e abro a pasta.
      Na pasta havia várias reportagens de jornal e um resumo da vida de Lindsey. Mas o que me intrigou foi o nome Fausto Peterson, irmão de Lindsey. E era este nome que estava assinado no bilhete. Guardo tudo na pasta rapidamente, apago as luzes e, antes de desligar a máquina, pego o endereço de Fausto.
      Chego ao endereço em dez minutos, andando. Demoro mais cinco minutos para abrirem a porta. É Fausto com uma garotinha no colo. apenas estendo o livro e não é preciso dizer mais nada para ele me mandar entrar. O homem manda a garotinha subir para o quarto e então me pergunta como cheguei a ele.
       - Sou estagiária no jornal da cidade. Vi a dedicatória no livro e reconheci o nome, Fui ao escritória e procurei os arquivos dela. foi fácil chegar aqui então.
        Fausto agradece e olha o livro em suas mãos. Ele diz que deu aquele livro a irmã quando ela tinha quinze anos e depois ela o deu para Matheus McCarty com um ano de namoro.
       - Matheus deu tudo que o fazia lembrar de Lindsey para mim. Mas são as memórias que o atormentam.
          - Ele estava dirigindo quando ela morreu.
       - Sim. E ele se sente culpado. Depois da morte dela, Matheus entrou em depressão, está magro, doente e cheio de dívidas.
          - Ele quer cometer suicídio.
          - Sim, mas ele tem uma filha para criar. Eu ia mandar este livro com o bilhete, mas vou ter que deixar para amanhã. Já é tarde.
          Em sincronia olhamos para o relógio. Quatro e meia. É nesse momento que o telefone toca. Fausto vai atender e volta pálido, minutos depois.
           - Houve um acidente no porto.
           - Matheus.
        Fausto chama a garotinha que não devia ter mais de cinco anos. entramos no carro do irmão de Lindsey e, em minutos, chegamos ao porto.
           O local está com uma viatura de policia, uma ambulância e bombeiros. Olho para o piso de madeira cheio de vidros. Sigo o rastro e vejo pilares tortos, no final da plataforma, não havia nada. Nenhum carro.
           Em choque, vou me aproximando até não poder mais. No fundo do mar, o carro de Matheus com ele dentro tentava ser quebrado. Coloco a mão na minha boca para abafar o grito. Alguns metros atrás, a garotinha chorava. 
             Fausto corre até a polícia e eu vou ao encontro da menina, pego-a no colo e sinto as lágrimas caírem de meus olhos. Desabo no chão, abraçando a garotinha fortemente. E então a chuva começa  acair novamente. Olho para o céu, as palavras de Fausto ecoando em minha mente. Já é tarde.





Mavi Tartaglia
         

   



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